Quando lim a notícia de um novo caso de repressom lingüística, acontecido num hospital privado da Corunha com esse nome –Modelo, véu-me logo à memória a histórica prisom catalá. Nada a ver com um centro de saúde, eu sei, mas útil metáfora de como nos sentimos às vezes na Galiza as pessoas que aspiramos a algo tam natural e justo como desenvolver umha vida normalizada na língua histórica do nosso país.
Nesta ocasiom, foi umha doutora –isso sim, de origem foránea, segundo esclareceu a direcçom do hospital– que exerceu labores repressivos contra um jovem que ousou manter o galego para se dirigir à respeitável facultativa. Há poucos meses, foi num hotel da Toja que trascendeu a directriz formal e escrita contra a utilizaçom do idioma da Galiza no relacionamento do pessoal hoteleiro com as pessoas que nele se hospedassem.
Nos dous casos, e noutros parecidos que vam saindo à luz nas secçons de breves dos jornais, há constáncia formal, quer por testemunhas, quer por existirem documentos que o confirmam, de flagrantes agressons aos direitos fundamentais das pessoas e ao direito colectivo à língua de todo um povo a quem pertence desde há doze séculos.
Dito o anterior, e sem ocultar a irritaçom e impotência que me provocam esses e outros episódios que a maior parte dos galegofalantes poderíamos apresentar, gostava de reflectir sobre as causas estruturais que possibilitam este lamentável estado de cousas, num país em que a própria expressom “direitos lingüísticos” fica fora da linguagem habitual das próprias instituiçons e instáncias que, supostamente, trabalham pola superaçom do conflito lingüístico.
Política lingüística
Refiro-me, para ficarmos no ámbito da saúde, a umha política lingüística, a autonómica galega, sem mais estratégia normalizadora que a parcial galeguizaçom da rotulagem e dos documentos públicos nos centros adscritos ao SERGAS. Nem o pessoal sanitário tem a devida formaçom, nem o nosso idioma passa de um papel secundário em relaçom ao único oficial do Estado: nengumha garantia, por exemplo, para o atendimento em galego de quem assim o requerer; nengumha obrigaçom ao pessoal em relaçom à incorporaçom do galego com ferramenta imprescindível por puro profissionalismo.
Os direitos lingüísticos ficam assim reduzidos, no melhor dos casos, a umha tarefa burocrática, que talvez sirva para tranquilizar as consciências de quem, verdadeiramente, nom quer ver desaparecer o galego desta terra, mas que, nas últimas décadas, se tem revelado perfeitamente inútil. E nom por um problema quantitativo, quer dizer, nom porque rotulemos pouco em galego ou porque haja poucos cursos de galego. É um problema qualitativo derivado de umha visom da galeguizaçom que a limita a uns usos dependentes, deficitários e redundantes, em relaçom ao idioma verdadeiramente efectivo e portador de autoridade: o espanhol.
Para quem nom quiger contribuir para essa estratégia suicida, e eu nom quero, é imprescindível denunciar que o acontecido no Hospital Modelo, como antes no Hotel Louxo-La Toja, é a conseqüência lógica do que poderíamos chamar, como fazia Carvalho Calero, “liberalismo lingüístico”, que reduz o galego, no melhor dos casos, ao direito individual —no caso do Hospital Modelo, nem isso, claro— e deixa para espanhol o peso da verdadeira oficialidade territorial.
Privilégios para o espanhol
A Galiza conta hoje com um modelo semelhante ao que existia no Quebeque antes da aprovaçom da Carta da Língua Francesa, em 1974. Naquele momento, o país francófono sob administraçom anglófona canadiana optou por um novo modelo, de tipo territorial, tal como os cantons suíços ou as comunidades francesa, flamenga e germanófona na Bélgica, para referir outros exemplos. Um modelo, o territorial, em que cada língua histórica ocupa as funçons próprias de umha língua nacional em todo o território que lhe é próprio, assumindo-se para tal a necessidade de que a língua estatal perda a hegemonia. No nosso país, a fórmula territorial suporia a única com garantias de avanços reais para o galego, o que passa polo fim dos privilégios para o espanhol.
Em concreto, e comparando o caso do Hospital Modelo com a situaçom lingüística na sanidade quebequesa, na naçom francófona existe hoje umha lista de hospitais que garantem à minoria anglófona o atendimento na língua do Estado (o inglês). Entretanto, na Galiza, a populaçom que ainda mantém fidelidade prática ao idioma histórico do país nom só nom conta com essa garantia: arrisca-se a ser recriminada por alguns empregados públicos, que nos exigem que falemos a língua do Estado, por exemplo, nos consultórios médicos.
Enquanto nom assumirmos a necessidade da oficialidade principal do galego, ao mesmo tempo que avançamos colectivamente, passo a passo, em direcçom a esse objectivo, de pouco servirá só denunciarmos cada nova agressom. Continuaremos, como até hoje, à defensiva, a ver como o nosso principal património colectivo é liquidado, de maneira progressiva e indefectível, mediante a fórmula trucada disso que ainda chamam, com grande sarcasmo, bilingüismo equilibrado.
Maurício Castro naceu en Ferrol en 1970. É profesor de portugués, actualmente adscrito á Escola Oficial de Idiomas da Coruña, despois de dous anos de docencia en Badaxoz. »